O arroz ganhou as manchetes nas últimas semanas, em meio à forte alta dos preços ao longo da cadeia, inevitavelmente atingindo o consumidor final. O preço pago ao produtor subiu mais de 50% desde julho, com a média mensal vindo de R$ 64,50/saca de 50 kg naquele mês para atuais R$ 103,50/sc na primeira quinzena de setembro. Não há apenas um elemento nem sequer um elo responsável pela escalada, mas sim uma combinação de fatores que serão discutidos a seguir.
É sabido que a cultura do arroz no Brasil vem perdendo área há anos para outros cultivos em função da baixa rentabilidade do produtor, que veio buscando alternativas em culturas com melhor perspectiva financeira. Os interessantes preços da soja e mesmo do milho nos últimos anos alimentaram essa dinâmica de migração do arroz. Além disso, a produção nacional se concentrou no Rio Grande do Sul, em cultivos irrigados com alta tecnologia. E apesar da clara tendência de redução da área, a produção tem se mantido relativamente estável, apoiada nos ganhos de produtividade derivados da intensificação tecnológica nas áreas remanescentes com a cultura.
Somente no último ano safra (2019/20) a produtividade cresceu 9% na média nacional e 13% no RS. Um dos fatores que explicaram os preços insuficientes e a consequente menor rentabilidade da cultura nos últimos anos foi a tendência de redução do consumo, que só voltou a subir nos últimos dois anos safra. O elemento surpresa neste ano, observado a partir de março, foi o aumento do consumo associado à pandemia, que redirecionou o consumo fora de casa para dentro dos lares. Isso fortaleceu a demanda e os preços de diversos alimentos básicos, não somente no setor arrozeiro. Importante observar que esse choque de demanda também ocorreu em outros países e, alguns deles inclusive restringiram exportações preocupados com segurança alimentar, o que gerou forte alta dos preços internacionais do arroz, embora no âmbito externo as cotações já tenham voltado ao normal.
Houve também frustração de safra na Tailândia, importante país produtor, pressionando o lado da oferta no balanço global. Pelos números da Conab, a produção do ano safra 2019/20 cresceu 6,7%, para 11,183 milhões de t, enquanto que o consumo aumentou 5,1%, alcançando 10,8 milhões de t. Embora a variação do consumo tenha sido menor, o mesmo voltou ao maior nível dos últimos quatro anos. Nos dois anos anteriores, havia caído o equivalente a 1,7 milhão de t.
Adicionalmente, a desvalorização cambial ampliou a competitividade das exportações, com maior direcionamento de produto para o mercado externo, principalmente para a Venezuela. Mas a exportação de arroz deve terminar o ano safra 2019/20 (até fev/21) com crescimento de apenas 139 mil t, num total de 1,5 milhão de t. Porém, o país também importa o produto, embora o saldo comercial seja superavitário. A importação é estimada em 1,1 milhão de sacas, alta de 6%. Do lado dos estoques, a Conab estima que o mesmo chegará em fevereiro em 537 mil t, o que equivale a 5% do consumo nacional. E apesar dos altos preços atuais, o estoque relativamente ao consumo não é diferente dos anos anteriores.
Então, se a produção cresceu (quase o dobro do consumo em termos absolutos) e os estoques finais não são menores que os do ano anterior, porque os preços escalaram tanto? Estima-se que pouco produto ainda está na mão de produtores mas há aqueles mais capitalizados que optaram e puderam esperar o mercado reagir à dinâmica altista dos preços dos alimentos, que começou a reverberar nos preços do arroz já em abril. Situação parecida aconteceu no mercado de milho, com a boa safra não impedindo a sustentação dos altos preços face a uma oferta moderada por produtores mais capitalizados. A diferença é que no caso do arroz, essa “maior rentabilidade” só aconteceu neste ano. E a maioria, por já ter comercializado antecipadamente, não se apropriará das margens hoje muito elevadas.
Além disso, outro fator muito importante que fortaleceu a demanda foi o auxílio emergencial do governo, que apoiou as famílias mais carentes, com amplo direcionamento do uso desses recursos para alimentos e materiais de construção. É factível que a maior procura pelos alimentos básicos também seja reflexo do alto desemprego, além da radical mudança do local de consumo de muitas pessoas, algo que ainda persiste.
O que vem pela frente?
Estamos há quatro meses distantes do início da chegada da nova safra brasileira, período em que a conjuntura de crise econômica e manutenção do auxílio financeiro (ainda que menor) deve sustentar a demanda. Do lado da oferta, a isenção pelo governo da tarifa de 10% para o arroz em casca e 12% para o beneficiado, de fora do Mercosul valerá para 400 mil t até o final do ano, o que equivale a cerca de 15 dias de consumo. Além disso, o Real desvalorizado frente ao Dólar faz com que o produto importado da Tailândia seja atualmente precificado posto Brasil ao redor de R$ 85,00/saca, o que não deixa espaço para grandes quedas. Isto quer dizer que, a medida ajudará mais no sentido de aumentar a liquidez e melhorar um pouco a disponibilidade mas deixa pouco espaço para uma correção mais significativa de preços.
A primeira previsão da Conab para o ano 2020/21 aponta para uma alta de 12% na área plantada, reflexo dos altos preços, porém com produtividade média menor que a deste ano, que surpreendeu. Com isso, a produção deve crescer 7,1%, para 11,982 milhões de t, com o estoque final terminando o ciclo (fev/22) em 817 milt, 52% maior que o estimado para fev/21.
Há perspectivas de melhora da oferta e menores preços aos consumidores, mas isso tende a ocorrer apenas no início do próximo ano com a entrada da nova safra.
*Análise da consultoria Agro do Itaú BBA
22/09/2020 - O preço pago ao produtor subiu mais de 50% desde julho.
Fonte: AgroLink